sábado, novembro 26, 2005

#56 *Quem és Inverno?

Tudo em ti tem o cheiro de descoberta. Acabo de dar os primeiros passos e todo o teu mistério se apodera de mim.
Abraças-me como se nada fosse, e tudo é. Tudo o que me provoca delírio positivo. E no escuro que a ti pertence mais que a qualquer outra, procuro as respostas que não encontro na sonolenta-forte luz. E tão única que a tua é, mais branca, mais limpa, menos óbvia e mistura-se no crepúsculo.
Não é paixão o que descrevo, é uma obsessão doentia, como a de sentir os pingos da chuva molhar-me. É um masoquismo de estar no limite da beleza que me atormenta e que quero possuir. A beleza da tua cor, a beleza do teu vento que transporta os cheiros, a imensidão dos dias pequenos e das grandes ausências de calor, e do frio que aquece.
São as músicas que cantas e transportam a alma e o corpo para o inteligível, para ti.
Porque também tu tens algo de pouco palpável e em paradoxo te apresentas.
Apetece-me deitar-me contigo e beber o que me ofereceste.
Não é veneno pois não?

sábado, novembro 19, 2005

#55 *A última Noite

Transporto-me pelo tempo como quem rasteja com saudade. Nem me comparo a um bebé ao tentar-se por em pé. Para ele isso representa aprendizagem , e para mim tudo isto significa o fracasso no que adquiri.
Regresso a um passado em que te sorri de presunção.
Olhei-te com desejo mas inesperadamente com orgulho, o qual nunca engoli.
Abandonados na noite entre montes carregados de mistério abraçamos o poço já seco que guardava memórias daquilo que as pessoas destroem.
O frio da nortada embatia no nosso calor.
E de alguma forma também nós destruímos aquele lugar naquela noite.

terça-feira, novembro 15, 2005

#54 *Noites_3

Larga a tuas roupas nesse chão imundo de suor. Deixa transpirar a dor que te ataca as costas. Essas esferas a que chamas olhar já nem cerram do cansaço. Observas a rua na esperança que um qualquer rosto se encontre desfigurado como o teu.
Há muito que o dia é mais um, e a noite a tua única cúmplice. Foste talhado para ela.
Sais para o silêncio que se esconde nas esquinas de casas acordadas pelo nada, ou pelo pecado. Estás destinado ao teu whisky que te deixa ébrio e estás destinado à boémia.
Estás nu.
Sentas-te numa escada qualquer e o observas o modernismo, ou a falta dele.
Bebes mais um trago de whisky e deitas-te para que os cientistas de rua te observem.
Ainda te doem as costas.

quinta-feira, novembro 10, 2005

#53 *Noites_2

A noite não é escura, os nossos olhos apenas não captam o seu brilho.

#52 *Noites_1

Saio para a rua. Desço a estrada pelo meio sem avistar qualquer luz. O silêncio não me incomoda, dá-me antes a justificação para esta loucura que gosto de viver sozinho.
O breu absorve-me e renasço.

segunda-feira, novembro 07, 2005

#51 *(um_título_qualquer_de_um_livro)

Odeio o que não leio. Odeio o que não escrevo. Odeio a poesia que não possuo.
Amo a literatura. Amo o que não sei ler. Amo nunca vir a saber, que nunca soube escrever.
E quem se exprime oprime. A Liberdade não se exprime. Exprime-te e reinventa aquilo que já acabou.
Começas a inventar tudo o que já está projectado. Inventas o que não gostas. Idolatras o inventor.
Mato os sorrisos. Rio-me do pateta que nem sabe que a pornografia é uma arte. Sei que isto é tudo tão estúpido.
Escrevo em poesia, aquela que não tenho e que odeio, e deixo-me levar pela leitura, talvez de literaturas que escrevi. Linhas que julguei serem a expressão da opressão mas que expressaram toda a liberdade de reinventar-me desde o começo. E não só reinventei como invento sem planear, e adoro tudo o que invento e chamo estúpido ao que se julgou inventor mas é mais pateta do que o próprio. Sorrio quando percebo que este também vai ao cinema e sabe que essa é a maior arte.
Ainda bem que não me acham estúpido.

domingo, novembro 06, 2005

#50 *Escreve-me

Sentas-te sozinho. As paredes que te envolvem são brancas e frias.
Não distingues aquilo que acabaste de cometer e ainda susténs esse sorriso infantil no rosto.
Julgas-te alguém só porque acabas os dias a olhar para o teu umbigo.
Sim, o Inverno foi-se! Sim, a submissão à rotina morreu! Mas isso não te dá o direito de tornares tudo em objectos, considerares apenas uma posição sem o reverso da moeda?
Aceitas toda esta consciência, mas no outro lado, a diversão, o prazer e a adrenalina da despreocupação deixam-te viver a tua esquizofrenia. E passas os dias na imoralidade. Bebes o que bebes, gastas o que gastas, a ti e às outras pessoas. Bebes a alma da pureza das mulheres que te foderam. Vives na loucura à procura de sanidade.
E quando tudo acaba?
Quando tudo acaba estás só e insano. Até a tua força se foi embora. Deprimes-te com a ausência de sabor. Voltas ao maquinal, tornas-te servo do quotidiano.
As lágrimas deslizam até lençóis. Já nem sentado estás: Deitaste-te.