quinta-feira, dezembro 09, 2004

#45 *Nós, aqui. Madrugada

A emoção evadiu-se para a atmosfera. O beijo, oferecido até então como peça única, ganha expressão plástica. O abraço, qual maquinal encaixo, pintava-se a redondo.
Os corpos dançantes na penumbra madrugadora.
O olhares magenta latejante, azul não adjectivável, radiantes de amor provável.

[escrito por mim na madrugada de 4 de Dezembro]

É assim que vamos pintando a nossa tela e apesar de só o publicar agora admiro já completamente fascinado as cores de tudo o que temos criado.

sábado, dezembro 04, 2004

#44 *Impressão escrita no porto a 1 de Dezembro de 2004

Hoje assisti à morte por negligência, ou, prepotência. Quem somos nós para julgar que podemos arquitectar a vida dos seres que nos rodeiam. E não falo apenas do Homem.
Embebido no magnífico edifício da fundação Serralves, contemplava o vão enorme que se abria no enfiamento das escadas que descia. A janela envidraçada mostrava-se enorme e imponente aos meus olhos, que ignoravam tudo o que viriam a testemunhar nos minutos que se seguiam.
Naquela sala do museu instalava-se um burburinho inquietante. Alguns curiosos comentavam entredentes. Outros, como que sentindo a culpa do acontecimento, calavam-se perante tamanha atrocidade.
Espreitei com algum receio. Lá fora nos fantásticos jardins de que a fundaão é detentora jazia um pássaro. Tinham passado apenas alguns segundos e o pequeno animal paralizado entre a rasa relva com convulsões assustadoras alertou-me o auxílio.
O museu desvaneceu-se ao meu olhar. Senti-me pequeno. Impotente. Fui invadido por uma vontade de correr desalmadamente até alcançar e abraçar , com o sabor da vida, o pássaro.
Não o fiz. Mas, aquela imagem desfez-me a tarde. Ainda vislumbrei a sua tentativa desesperada de readequerir uma posição digna antes de se entregar à morte fria. Fê-lo.
Já nos jardins, avistei a janela.
Corri, desta vez destemido, mas confesso, sem esperança.
Ainda senti o seu corpo quente, morto.
Agarrei-o entre os dedos, soltei um suspiro num misto de fúria e tristeza. Era possivel evitar esta dolorosa morte.
Lancei um último olhar e despedi-me.
Agora escrevo tentando perdoar-nos, Homens, mas não consigo.
Uma lágrima caiu.

[O Porto é uma cidade, diferente mas Linda]

quarta-feira, dezembro 01, 2004

#43 *Viajo

Considero a vida uma constante descoberta. Sinto, neste contexto, que nos vamos descobrindo. E é óptimo. São estas as impressões sobre as quais recaio nesta madrugada.
Nesta madrugada porque ainda te detenho, nos cheiros e nos sabores que me emprestas, nas frescas memórias que me abraçam a mente. Nesta madrugada porque faço a mala e dois dias parecem eternidades. Reparo, não estranhando porém, que na bagagem não levo apenas recordações de todos os momentos, como esta noite que revivo em mim, como se eu fosse papel e Nós tinta. Levo então os esquissos, os desejos, as tatuagens, as pinturas de vento e lama, de Mafalda. Levo as imagens mais recentes que recordo desta tela.
E tudo o que levo, deixo cá.
Levo-te em mim, no que sinto em ti.