domingo, dezembro 11, 2005

#57 *Desejos

Os dois olhares vislumbraram-se quando ele entrou no carro. Conduziram-se depressa para as dificuldades das madrugadas. A comunicação manteve-se fluida como sempre mas estranhamente ligada por uma necessidade de fazer assuntos, atabalhoadamente precipitados. No entanto algo estava muito claro, a amizade e os desejos.
No decorrer da tarde que abraçava a noite também as peles transpiraram vontades. Vontades essas inerentes aos seres que ali despiam as suas pessoas. Vontades de descobrir o que é ou não mítico sem capas nem preconceito. A confirmação foi também ela clara: não há mitos.
Entre questões dúbias apareciam respostas concretas, entre músicas enquadravam-se sensações, e os esquadros que a compunham fluíam em versos escritos num rio.
Depois do jantar ele bebeu de um trago. Embebido pela circunstância aproximou-se para sussurrar. Mas gritou, num gesto recebido e abraçado. Após algumas tentativas de fuga, cederam ao que são, ou, naquela noite, seriam…O abraço continha demasiado desejo.
Deixaram-se cair na escuridão que três velas iluminavam, sob a alçada de mais perguntas, menos dúbias, mais intencionais. Ainda assim ele continuou naif à situação.
Inexplicavelmente as linhas do desenho brotaram para a madrugada, e já abraçados continuavam a fugir do que queriam alcançar. Sucessivamente ela fugiu da vontade que jorrava dos seus lábios, do seu cheiro, do seu sorriso. Eu vi-os por fim, predispostos a tudo, à entrega. Vi as mãos correrem livremente, vi os corpos dançarem, vi as horas voarem, ouvi arfarem, ouvi todas as músicas daquela noite que eram deles. E ali vi os desejos, vi o desenho que ele desenhou, vi a paixão que ela negou, vi a luta que travaram para racionalmente não trocarem um único beijo até à despedida. Vi-os encaixados qual escultura renascentista em proporções perfeitas.
Também eles viram isso tudo. E na despedida voltaram a trocar o desejo de um amanhã.
Obrigado por terem partilhado tudo isto, mas tornou-se difícil acreditar que afinal não existiu um amanhã.
Ela fugiu.