#44 *Impressão escrita no porto a 1 de Dezembro de 2004
Hoje assisti à morte por negligência, ou, prepotência. Quem somos nós para julgar que podemos arquitectar a vida dos seres que nos rodeiam. E não falo apenas do Homem.
Embebido no magnífico edifício da fundação Serralves, contemplava o vão enorme que se abria no enfiamento das escadas que descia. A janela envidraçada mostrava-se enorme e imponente aos meus olhos, que ignoravam tudo o que viriam a testemunhar nos minutos que se seguiam.
Naquela sala do museu instalava-se um burburinho inquietante. Alguns curiosos comentavam entredentes. Outros, como que sentindo a culpa do acontecimento, calavam-se perante tamanha atrocidade.
Espreitei com algum receio. Lá fora nos fantásticos jardins de que a fundaão é detentora jazia um pássaro. Tinham passado apenas alguns segundos e o pequeno animal paralizado entre a rasa relva com convulsões assustadoras alertou-me o auxílio.
O museu desvaneceu-se ao meu olhar. Senti-me pequeno. Impotente. Fui invadido por uma vontade de correr desalmadamente até alcançar e abraçar , com o sabor da vida, o pássaro.
Não o fiz. Mas, aquela imagem desfez-me a tarde. Ainda vislumbrei a sua tentativa desesperada de readequerir uma posição digna antes de se entregar à morte fria. Fê-lo.
Já nos jardins, avistei a janela.
Corri, desta vez destemido, mas confesso, sem esperança.
Ainda senti o seu corpo quente, morto.
Agarrei-o entre os dedos, soltei um suspiro num misto de fúria e tristeza. Era possivel evitar esta dolorosa morte.
Lancei um último olhar e despedi-me.
Agora escrevo tentando perdoar-nos, Homens, mas não consigo.
Uma lágrima caiu.
[O Porto é uma cidade, diferente mas Linda]
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