#75 *Mistura de pigmentos
Levanto-me da mesa e olho para trás. Sentada estás e permaneces. As lágrimas salgam-me o rosto, estendo-te uma mão, não aceitas. As paredes reflectem as notas de Liszt, sinto também como na sua época algum Romantismo em tudo isto, coisas da minha imaginação.
Entretanto olho-te, fito-te, amordaço-te com um olhar, como se isso fosse sequer possível.
E o teu olhar nestas palavras, o que fez ele?
Conta-me.
Agora fora daquilo que te transcende vou-te oferecer aquilo que apreendi daquela tarde.
Agora digo-te que me trataste bem, pelo menos como gosto.
Agora digo-te que me senti teu pois continuas a entrar em mim e amarrar-me a isto, que aqui te escrevo.
Agora levo-te as tuas palavras, quando me trataste como se fosse teu. E também sabes que quero ser.
E foi ali, na sala virada a nascente numa tarde de poente fraco que nas entrelinhas me deste um primeiro beijo. Mesmo que não me tenhas dado, eu senti-o.
Esta noite quis outro, e não tenho a certeza que mo tenhas dado.
Mas ali, no dia anterior cada palavra cheirava à tua necessidade de transpiração transcendente. Também eu me senti dentro de ti, ainda sinto, acho.
Tu levantas-te e secas-me as lágrimas com um beijo.
Um beijo, talvez.
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